Wednesday, October 19, 2005

Era uma vez...


Era uma vez um príncipe. Este príncipe era muito amado pelos seus pais, o rei e a raínha. Como tal, estes juraram que o filho nunca veria nada do que existe de mal no mundo. O príncipe vivia na corte onde todas as pessoas eram jovens, bonitas, saudáveis. À medida que os pais iam envelhecendo maquiavam-se de modo a parecer sempre jovens. O príncipe só conhecia o que existia de bom no mundo.

Mas as paredes do palácio começaram a limitar o espaço do príncipe. Certo dia falou ao rei:
- "Porque é que voçês nunca me deixaram sair das portas do palácio?"
-" Meu filho, não há grande diferença lá fora."
- "Eu tenho que saber se o mundo é tão bom como o que conheço..."

O rei não negava nada ao filho. Organizou uma saída da corte pela cidade de maneira a que o filho visse que o mundo era o mesmo que conhecia.

Quando o filho saiu, montado no seu elefante, todas as pessoas nas ruas eram jovens, bonitas, exactamente o que o príncipe sempre tinha conhecido. A meio da viagem o príncipe viu dois guardas e enxotar duas pessoas com cabelos brancos e vestimentas rudimentares. Não fazendo uma ideia que género de pessoas eram aquelas, desmontou do seu elefente, e seguiu aquele par de desconhecidos.

O rei, no desejo que o filho continuásse a conhecer o que havia de bom no mundo, tinha mandado varrer toda a cidade, os guardas tinham juntado todos os doentes, velhos, pobres numa só parte da cidade. Até onde príncipe seguiu aquele par. Aí, num vislumbre, o príncipe conheceu tudo de mal que existe no mundo. A doença, pobreza, velhice, a tristeza... foram conceitos que teve que encaixar naquele instante.

O choque foi tremendo... O príncipe sentiu-se o mais previligiado, sem nunca ter conhecido nada mais do que os bons sentimentos do mundo, enquanto todos os seres eram obrigados a suportar os males.

Para colmatar a sua dívida, o príncipe tornou-se um asceta, vivendo debaixo de uma árvore, à beira de um rio. Alimenta-se do que cai da sua árvore, da merda que os pássaros deixam cair por perto, esquecendo tudo o que tinha vivido antes e meditando. Durante os cerca de vinte anos que passa a meditar, outros seguem-lhe o exemplo, e todas as árvores na margem do rio passam a ter um asceta por debaixo.

O nosso príncipe está bastante diferente agora. O cabelo e a barba de 20 anos, a magreza do teu corpo, nada do seu antigo aspecto principesco restava na sua miséria. Um dia um professor de música passa de barco no rio a dar a sua aula. Ensinava a afinar um instrumento de cordas e dizia:
- "Voçês, quando afinam o instrumento têm que ter atenção, não podem puxar muito a corda, senão quando tocam correm o risco de a quebrar, mas também não a podem deixar lassa, senão não conseguem fazer o som correcto."

Ao ouvir estas palavras, como luz se fez no espírito do nosso príncipe, ele levantou-se, debaixo dos olhares de censura dos seus seguidores, entrou no rio e aceita uma amálgama de arroz de uma criança que estava na outra margem.

O nosso príncipe percebeu que não podia estar nem num extremo nem noutro. O equílibrio entre os dois opostos é a via correcta de se viver. Assim nasce a chamada via do meio. Uma via em que se balança o desejo com o sacrifício, de modo a levar uma vida em que se está contente com o que se tem e a consciência tranquila relativamente áquilo que se dá.

1 comment:

vicks said...

Siddharta?

Há uns anos escrevi um texto muito parecido com o teu... e tal como tu nem abordei as palavras Budismo ou Siddharta... pq?

Podes encontrá-lo aqui.