Um post sem interesse... ou talvez não
Encontrei um amigo à algum tempo, ele estava numa viagem pela Europa e disse-me que não ia a Paris porque sózinho acabava por não ter muita graça. Eu estava por perto e claro, fiz-me logo de sua companhia. A propósito, obrigado pelas cinco horas de filas na Torre Eiffel, foi uma experiência a roçar o divino.
No segundo dia achamos por bem andar pela cidade, só andar, ver a vida. Perto da catedral de Notre Dame existe uma livraria "Shakespeare and Affairs". Para quem viu o filme, eu não, mas é onde se encontra o casal em "Depois do Anoitecer", sequela de "Antes do Amanhecer".
Eu quando entro numa livraria perco-me por completo, abro, vejo, cheiro o conhecimento que se pode ganhar ao ler o que para mim é um dos bens mais preciosos, um livro. Estava neste estado letárgico quando ouvi:" Estes senhores também são Portugueses? Então devem estar tristes como eu. Não há um único livro Português nesta livraria de livros tão velhos".
Deixem-me apresentar a personagem. Um velho, de 80 anos, vimos mais tarde a saber, com uma daquelas barbas e óculos que preenchem o estereótipo de avô bonacheirão, que tem sempre uma história para contar. Estava a fazer uma volta pela Europa à um mês e meio, tinha escritos no bolso de histórias perdidas na sua cabeça.
Era um apreciador de arte. Foi a única pessoa que conheci, para além da minha mãe, que leu "Servidão Humana" de Somerset, um dos livros mais negros da minha conta. O senhor dizia " o interessante nos quadros não é o que está retratado... isso é para os intelectuais fingirem que percebem... O interessante de um quadro é saber o ambiente em que é pintado, que história existe por detrás da figura que temos pela frente..."
Ele andava de museu em museu, pela Europa para ver poucos, ás vezes um só quadro exposto em cada museu. E escrevia o que pensava, contava uma história... perdia-se.
A conversa durou cerca de meia hora ele falou, falou, nós bebemos as palavras. Acabou com o seguinte: "Voçês querem saber qual o segredo para chegar à minha idade desta maneira (típico, mas acreditem que quando vem duma pessoa daquelas, voçês escutam mesmo) Primeiro é não se parar, mexer-se sempre, andar etc, Segundo é pensar... pensar no que fizeram no dia, reflectir na vida, a vida... manter o músculo cá em cima a funcionar também".
O meu primeiro comentário quando ficamos sós foi que me tinha visto com 80 anos...
Sabem porque penso nisto a estas horas... Nunca me vou perdoar de não ficar com um contacto, uma maneira de tornar a chegar a este homem.
São poucas as pessoas realmente interessantes que cruzam a nossa vida e maior parte delas nem nos apercebemos. A este senhor vai a minha homenagem, pela maneira como lidava com a solidão, mas também por ter perdido meia hora a encantar dois miúdos. Pode ser que ainda nos encontremos...
1 comment:
Bem quanto à Servidão Humana, não te preocupes...O senhor bonacheirão fez-me prometer que o lia, por isso está para breve a terceira pessoa que tu conheces que leu o livro!
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