Platão e os Valores da sociedade de hoje
Falhar nos nossos valores acontece a todos. Em toda a minha vida, já falhei várias vezes, mesmo sabendo qual o caminho que deveria seguir, o escolhido foi outro, tudo força da situação que me obrigava a agir. Todos temos códigos de valores, todas as civilizações têm os seus contos, ditos e gurus, que advogam uma maneira de viver segundo princípios que não vou repetir aqui. Sabemos bem como devemos agir perante as várias situações que se mostram à nossa frente.
Platão, nos seus diálogos onde personifica o seu mestre Sócrates, conta a história do pastor Gyges. Este encontrou um anel que o permite ficar invisível, vai até ao castelo do reino, seduz a rainha, mata o rei e torna-se ele próprio rei. A discussão gira em torno da Natureza humana, se for possível ao homem, agindo imoralmente, actuar de modo a melhorar o seu estado pessoal, sem que mais ninguém saiba, este irá fazê-lo. Vejam, maior parte dos crimes são sempre feitos por razão de algum melhoramento na vida de quem os perpetra, dinheiro, poder, egoísmo. Agora imaginem que sabiam que nunca seriam apanhados, nem que ninguém saberia. Aplicado a todo o ser humano, têm que admitir, é uma visão que no mínimo nos seduz.
Se qualquer um de nós pudesse ser invisível, o que faria? Digo-vos, que tentar a paz mundial não é vossa primeira opção. Agora, esta tentação é muito grande, além de impossível, pelo que leva a desafiar as regras da sociedade em que vivemos. É humano que quase todos nós sucumbamos à tentação de pensamentos orientados ao nosso umbigo, numa situação em que nada de mal resultaria para nós próprios. Mas existem muitas mais reacções que não são puníveis pela lei. Há lugar então, a outras regras, cujo castigo não será físico, nem instantâneo, aliás é inexistente, pela definição de castigo que conhecemos. As regras são os códigos de valores, e o castigo é vivermos com as nossas acções.
A experiência ensinou-me que alguns valores têm que ser quebrados para se tornarem mais fortes. Tenho muita pena que no meu caso tenha sido assim, mas calculo que para todos seja igualmente penoso. Faz parte do nosso processo de crescimento como seres humanos. Pode haver alguns bastante fortes que nunca desrespeitamos, mas outros… temos que ver por nós próprios. Agora, quebrar pela segunda vez… mostra que não se aprendeu nada da primeira vez.
Assim quero fazer duas distinções sobre as regras que regem a nossa vida. As leis da sociedade, código penal, o sistema judicial, e os códigos de valores da mesma, princípios que orientarão as pessoas de modo a levar uma vida íntegra, de respeito ao semelhante, e de realização pessoal ao nível humano. Tal como pelas primeiras, se o código de valores for continuadamente desrespeitado de uma maneira visível a todos, sem que haja um castigo veemente, a sociedade vai perder o respeito pelo código. E sendo um castigo interior, ninguém se apercebe.
Vivemos numa sociedade em que o código de valores não é estacionário. Em constante mutação, pelas vivências diárias. O caminho é cada vez mais privilegiar valores que dizem respeito ao nosso bem-estar físico e “civil”, descuidando, a nossa consciência. Penso que o ser humano está a ganhar a capacidade de não pensar naquilo que faz de mal diariamente, enquanto aproveita os confortos oferecidos pela sua maneira de viver.
Galucon e Adimantus, interlocutores de Sócrates, diziam que o ser humano estaria sempre à espera de uma oportunidade de melhorar o seu bem-estar, desde que não fosse castigado, ou não houvesse julgamento por terceiros… sem que ninguém soubesse. Esta definição toca nos dois tipos de regras que foram definidas anteriormente. Mas quando vejo a sociedade em que vivemos, percebo que a história já não é actual. Só a parte do castigo continua verdadeira.
Se não se tiver personalidade e se não se lutar contra o seguidismo, os valores que vemos constantemente desrespeitados, passarão a ser as leis morais da nossa sociedade, aceites por todos. Vive-se bem, se em consciência das nossas acções, aprendemos o que fazer na próxima situação semelhante. E o que é certo fazer-se, todos sabemos. A consciência é o nosso melhor professor para nos ensinar a viver bem.
1 comment:
"o ser humano estaria sempre à espera de uma oportunidade de melhorar o seu bem-estar, desde que não fosse castigado, ou não houvesse julgamento por terceiros… sem que ninguém soubesse"
Só que a pessoa mais importante sabe sempre: nós próprios. E seremos capazes de viver com os nossos actos impunemente? Eu tenho a certeza que não, porque sem acreditar em Deus nem castigos divinos, sou eu o meu severo juiz.
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