"Suite Francesa" de Irène Némirovsky
É difícil reter a curiosidade quando se lê a descrição de Irène Némirovsky. Judia, foragida russa em França, começa a ganhar créditos com a sua obra “David Golder” onde põe a nu a sua imagem do judeu urbano. Sempre sem julgamentos, a descrição crua que faz é parca em adjectivos pessoais, característica essa que a leva a descrever o melhor e o pior do mundo da mesma forma, isenta. Controversa numa época em que exprimir a opinião era essencial, Irène ganha tanto amigos como inimigos entre os Judeus, mas também entre os anti-semitas, que usavam a sua obra como prova que os judeus eram de facto tudo o que de mal se dizia.
Refugiada em França do movimento Bolchevique russo, apressa-se a ganhar notoriedade nas letras francesas, com mais um romance “Le bal”. Com a invasão alemã em curso, o país ocupado, Irène refugia-se numa pequena aldeia e decide descrever o que vê numa obra que incluirá toda a sua experiência durante a ocupação, feita de 5 episódios, a qual compara à quinta sinfonia de Beethoven. Começa com “Tempestade em Junho”, onde descreve o êxodo de Paris, as estradas cheias de caravanas de pessoas que fogem do invasor que vai chegando às portas de Paris, a reacção dos ricos, o sofrimento dos pobres, sempre de um ponto de vista exterior. Realço à morte do padre Phillipe.
A segunda parte, “Dolce”, relata a vida numa aldeia ocupada pelas forças alemãs. Falamos de alguém que, pelas notas do fim do livro, se encontra sem saber o dia de amanhã, as notícias de deportações e leis a aplicar aos Judeus multiplicam-se. Enquanto Irène não sabe o que fazer para proteger as suas duas filhas, o marido desdobra-se em contactos para obter dinheiro e livre-passes. É neste contexto que deve ser lido a descrição que faz dos soldados alemães. Rapazes do campo, sorridentes, amáveis. Aos poucos Irène descreve a relação entre o povo da aldeia e um regimento alemão que a ocupa. Da pouca confiança inicial, passam a conhecer os nomes, a saber história da família, a beber copos juntos. “Dolce” acaba com a partida do regimento para a frente russa, e uma aldeia francesa a despedir-se dos soldados alemães.
E acaba também o sonho, a quinta sinfonia escrita, de Irène. Deportada para Auschwitz, é assassinada em 1942.
Denise Epstein, sua filha, carrega o manuscrito na sua mala, e este é esquecido até 2004, em que é recuperado e publicado, os dois episódios, em “Suite Francesa”. O paralelo traçado com o Diário de Anne Frank deixa a desejar pela maneira contrária de trato do povo alemão. A visão estoicamente neutra de Irène é um dos marcos desta obra, e uma qualidade a admirar. Dá uma veracidade intrínseca ao relatado, mesmo que pelos seus olhos.
Interessante foi descobrir os franceses, como se comportaram. Quando em conversa com o chefe do regimento alemão, uma das personagens descobre que à chegada, já o chefe tinha um molho de cartas anónimas de aldeões que se denunciavam entre eles. Personagens que nos fazem rir, chorar, e umas outras, sentir um asco a subir pela garganta.
Vai ser a minha prenda para os franceses. A “Suite Francesa” de Irène Némirovsky.
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