Sunday, March 09, 2008

Aproveitei a barba de duas semanas, pus o meu chapéu de Che e apanhei o 738 que me iria deixar na manifestação. Levava os phones, dava a impressão de revolucionário que ouve Rage Against the Machine, com um look de guerrilheiro da América do Sul em carga contra os cordões das autoridades. No autocarro havia professores, falavam entre eles, riam, não consegui prestar a devida atenção à conversa e o violão de Django parecia tão mais interessante nos meus ouvidos.
Tendo crescido entre professores, as reuniões sociais destes não me eram estranhas. Esta apenas teve mais gente. Enquanto ia vendo o aumentar de pessoas na rua, num movimento unidireccional no sentido do Marquês, ia pensando, naqueles ensaios da realidade que desafia qualquer probabilidade mas que é só nossa, o que faria caso uma repórter esbelta descesse de um daqueles helicópteros e me perguntasse o que estava a fazer ali. Preparei-me antes para essa pergunta, aliás, fui preparando-me insistentemente até me decidir a ligar aos meus pais e dizer que ia com eles. Escrevia assim o meu pai durante a semana:

A ESCOLA PÚBLICA EM PERIGO

Tenho ouvido professores, pais com filhos na escola, ministra educação, 1ºministro, jornalistas, politicos, "zé povinho" .... confusão, "violência" , ignorância, desrespeito, discurso vazio... digamos que o "debate" caiu na rua...e aquilo que deveria ser sério, (porque se trata de um assunto sério) transformou-se numa análise fútil... A ministra mais tarde ou mais cedo deixará o lugar. Virá outra/o. A politica de ensino (que é o que interessa) continuará a mesma, pois está bem delineada há muito tempo: Destruir a escola pública, esvaziando o conteúdo do ensino. Preparar mão-de-obra barata, obediente e logicamente nada criativa...
Mas, porquê desmantelar toda uma tradição (que vem da 1ª República)? De onde vem esta politica "contra natura" que tanto faz correr os nossos governantes nestes últimos anos? São ordens dos novos "senhores feudais" provenientes de Bruxelles que visam destruir a nossa concepção de escola democrática.
A escola que nos querem "impigir" tem por objectivo formar alunos ignorantes, entregues à escola a tempo inteiro, onde o "faz de conta" é regra. Os pais não assumem a educação dos filhos porque estão a ser tão apertados nos seus empregos quanto os professores no seu. É preciso que compreendam que a luta também é sua pois o que aqui está em jogo é o desmantelamento de toda a sociedade civil. Todos devemos estar unidos pois a escola que era de todos está a ser desfeita à vista de toda a gente. O processo de desmantelamento é tão descarado que o Poder não hesita em recorrer à autoridade e fugir ao debate democrático para impor a sua politica. Para isso, auxilia-se dos que se limitam a cumprir ordens mesmo sabendo que estão a ser agentes dessa destruição. Criando a figura do director e cargos de nomeação o governo assegura que as suas leis serão cumpridas e postas em prática, pressupondo que os mais fragilizados na sua carreira profissional se lhes submeterão, mais cedo ou mais tarde. Parece que o governo tem timings a cumprir, o país tem de se submeter à avaliação da União Europeia, que estabeleceu metas e prazos. A "autonomia" concedida às escolas é: arrangem-se lá como quiserem desde que em 2013 esteja tudo aplicado, senão...
A substituição da ministra é urgente e necessária, mas o mais importante é romper com as politicas educativas... não basta mudar as moscas...Pode-se ganhar uma batalha mas o importante é ganhar a guerra. Para entender isto são precisas muitas e boas aulas, um conhecimento histórico e cultural sólido e a noção do que é viver verdadeiramente em democracia...e isso neste preciso momento até já está em causa...”



A questão é muito superior a uma ministra ou a uma política de educação, destes não tenho formação para falar mal ou bem. Sei que a progressão automática nunca fez bem a qualquer regime, a longo termo. Uma completa idiotice é a forma como se quer implementar a reforma, mas esta é uma conversa recorrente sobre como se estabelecem premissas em Portugal para atingir os mesmos resultados que vemos no estrangeiro. Somos apenas bons demais para parar nos intervalos em que os outros pararam e cumprir as mesmas regras que os levou ao sucesso.
Enquanto descia a Liberdade ia ouvindo que estava na hora, na hora da ministra ir embora. Para alem de me fazer olhar para o relógio e ser uma péssima rima, deixa-me uma falta de confiança na forma como se constroem regras em Portugal... Somos inconsequentes. Faz-se uma pergunta a um qualquer político, ele responde com o discurso pré-feito n.3 em que nada diz senão repetir as intenções com as quais ninguém pode discutir...mas não se repete a pergunta. Fazemos perguntas directas, mas contentamo-nos em poder fazê-las, esquecemos a resposta, afinal o sacana nunca ia admitir que estava errado. Mandamos abaixo uma ministra, mas não contribuímos para a resolução do problema, apenas adiamos a solução.

Quão bom é o facto de vivermos numa sociedade livre em que perguntamos e protestamos o que queremos, se ninguém nos responde, nem construímos nada?

Mas deixo a educação correcta ou não, para o jojolopi, ele está a sofrer na pele com isto e não me lembro de nenhuma ocasião em que a razão não tenha estado do lado dele...eu nunca tive muito jeito para arregalar os olhos. Creio na mão invisível de Adam Smith, mesmo que no diz respeito a instituições do estado. As 100 mil pessoas com a quais caminhei durante aquela tarde fazem parte dela. Quando aquela repórter de óculos de massa preta e cabelo em carrapicho me aparecesse de microfone na mão, e me fizesse a pergunta que temia... "Não sei, parece-me ser o mais correcto a fazer".

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