Wednesday, October 04, 2006

Portugal as ideias

Image Hosted by ImageShack.us



Durante as viagens que tenho feito pelo norte da Europa tenho tido como principal sentimento a desilusão. Não existe um gene desenvolvido no norte que os faça comportar de forma mais civilizada do que em Portugal. Existe sim uma sociedade por detrás que os obriga a comportar uniformemente segundo as regras. Quando na Finlândia passou a haver uma lei que obrigava as pessoas a passar na passadeira e com o sinal verde, no dia seguinte ninguém passava. Foi a sociedade que colocou agentes de autoridade perto das várias, a passar multas às pessoas e a dizer-lhes o que tinham que fazer.

A população activa de Genebra é composta em 10% por emigrantes Portugueses. Houve um ano em que a chegada de Portugueses foi particularmente alta. Os jornais são vendidos em pequenas caixas espalhadas pela cidade, não existe ninguém para supervisionar a venda, espera-se das pessoas que deixem o valor do jornal numa pequena caixa que existe ao lado. Claro que, se pode retirar um jornal e não deixar qualquer pagamento. Os Portugueses quando chegaram, com ou sem informação, lá foram tirando o seu jornal sem deixar qualquer dinheiro. O facto foi notado, e logo cada caixa teve o seu representante do jornal à paisana, pronto a lembrar às pessoas que tinham que pagar o bem que estavam a consumir. Rapidamente o nível de pagamentos aumentou até ao anterior e assim se mantém até hoje, sem qualquer tipo de vigilância.

Para o xico-esperto dentro de cada um, pior que deixar escapar uma oportunidade de o ser, é ser apanhado a fazê-lo. Convinhamos, que maior parte das xico-espertices que vemos são por razões e para ganhos bastante mesquinhos.

Assim, globalmente não está na natureza humana ter um comportamento como o que vemos no norte da Europa. Está sim na natureza humana submeter-se às regras de uma sociedade. Desde que esta as imponha. Nos países nórdicos o não cumprimento implica matematicamente uma penalidade, porque já lhes aconteceu, já viram acontecer. Ou simplesmente cresceram numa sociedade em que todos já viviam segundo as regras.

A única diferença entre os nossos países, é que essa força motriz por parte sociedade que obriga as pessoas a cumprir as regras, não existe. Talvez por virmos de uma ditadura, talvez por termos incutido na nossa mentalidade que sabemos mais que os outros e não aceitamos que nos digam o que fazer. Talvez porque o Estado não tem meios. Os porquês neste contexto não interessam. O que interessa é a solução.

O facto de não haver uma força exterior que nos obrigue a cumprir as regras, obriga o Português a criar essa força no interior. Cabe a cada um ter um bom comportamento. Valorizar esse comportamento. Mesmo que ao lado o xico-esperto fique com mais 5 cts que nós, esse tipo de comportamento não pode ser valorizado pela sociedade. É esse o nosso maior problema. Alguém fez e ficou a ganhar, eu vou fazer o mesmo. É esse o ciclo da vida Portuguesa. Alguém fez, mas esse alguém é um xico-esperto.

Toda a minha vida ouvi falar mal de Portugal pela boca de quem lá vive. Certamente que a sobreposição dos universos das pessoas que falam mal e das que agem mal dá longe de um conjunto vazio. Falar é bom, mas agir é a única maneira de mudar algo. E a acção começa em cada um. Estamos num contexto em que falar mal é fácil. É em valorizar que está o mérito. É a valorização pela sociedade a força motriz que nos falta.

9 comments:

Anonymous said...

é, infelizmente, essa a ideia que se pode tirar daqui... o "xico-espertismo" é sem duvida o motor da nossa sociedade. nao sei se é a valorização a força que nos falta mas, nos ultimos tempos, nao tem existido muito por onde (ou o que) valorizar cá por estas bandas, daí ser tão facil falar mal.
a forma de dar a volta passa, quanto a mim, pelo apontar do dedo, pelo nao sorrir quando achamos que alguém nao está a ser correcto e apontar-lhe o dedo e dar-lhe cabo do juizo... Agora a questão está em saber se cada um de nós se está para chatear com isso...
abraço
vitor borges

Sofia C. said...

Olá,

Chego aqui pelo blog da Nokas e achei este post fantástico. Pela forma clara como está escrito, pela sequência lógica do raciocínio e pela ideia que desenvolve. Parabéns, voltarei.Sofia

NoKas said...

Hey! Não há nada como um bocadinho de divulgação para atrair novos visitantes! Agora deves-me um desafio! :p

(PS-tb gostei mto do texto)

sara said...

Faltou referir a falta de espontaneidade e imaginacäo dos povos nórdicos. Todos cumprem e sempre viram cumprimr - é verdade. Mas também näo lhes passa pela cabeca outra coisa, como näo passa no resto dos pequenos-nadas da vida. (Neste caso, ainda bem). Para Portugal, o mais importante deixaste claro: parte de cada um. Näo fazer para ganhar, ou näo ser vencido, näo passar por cima de ninguém, näo repetir o que se vê à volta e, mais que tudo, näo fazer porque "toda a gente faz"... Porque é o melhor cantinho para se viver...

(Aproveito para dizer que gostei tanto tanto de como mostraste Lisboa: exactamente como mostraste todoas as outras cidades por onde tens passado. Acrescentando o "encanto", claro.)

Pitucha said...

Claro que tens razão!
E foi a mulher aranha que me trouxe até aqui.
Beijos

purpurina said...

fizeste-me lembrar uma passagem d'os maias.

nos primeiros capítulos, se não no primeiro, afonso da maia diz que quer criar o neto (carlos da maia) longe da religião porque quer que ele seja um homem bom e que faça o que está moralmente certo por ser isso o correcto, não por ter medo do fogo eterno.

(não tenho aqui o livro, mas a ideia era essa)

esta tradição de seguir as regras a qualquer custo dá cabo de mim. quando cheguei à suécia a minha primeira desilusão foi descobrir que me diziam olá nas lojas e na rua não por serem simpáticos mas por ser suposto comportarem-se assim. acho desonesto.

e concordo que é necessário desvalorizar os maus-comportamentos. só assim se conseguirá alguma mudança de atitudes.

beijinho, moço.

Anonymous said...

Tocaste na ferida por diversas vezes.O nosso Portugal nunca irá sair da cepa torta, da modorra em que se encontra, é o País dos poucochinhos, dos vaidosos, dos que sabem tudo, dos melhores e dos maiores do mundo! Em tudo, claro! No futebol, nos recordes idiotas do guiness, das maiores gaffes, dos maiores erros.enfim! Já me esquecia, os maiores a matar animais na estrada, os maiores em maltratar os cães e gatos que por aí andam! E como não podia deixar de ser, os maiores em manter as tradições! Quais? A das praxes, que servem para o entrosamento da malta amiga, das touradas que servem para os turistas verem e para a nossa "socialite" na banca rota aparecer nas revistas e na tv, em qualquer canal, pois agora a tourada é para as massas!Somos os maiores sim, mas em atraso de vida e citando o autor do texto inicial, os maiores xicos espertos! Do Mundo, como não podia deixar de ser!

Manandre said...

A questão da produtividade é bem lançada. É mesmo uma das maiores diferenças entre os países que tenho observado e o nosso, e uma das principais razões para ter escrito o que escrevi. Mas mais do que isso, é a percepção que fora de Portugal somos tão ou mais eficazes do quem nos acolhe que me faz pensar.

Isto abre dois pontos, um o da organização das empresas e da função pública em Portugal, o outro, a valorização que é dada a quem trabalha. O segundo ponto é o focado pelo texto em questão.

Enquanto cá fora quem não trabalha é posto de parte pela sociedade (desde institucionalmente até aos colegas de trabalho), em Portugal é aclamado e seguido. É esta completa troca de valores que refiro como principal causa para o estado do nosso país.

Fugindo a pontos de vista marxistas sobre a economia de mercado, as pessoas são postas de lado por uma maioria que simplesmente não entende porque se trabalha mais do que necessário. Em Portugal o marxismo funciona ao contrário. Cada um faz o menos possível para se proteger a si próprio. É esse o problema português e a minha maior frustação.

Se a produção não for valorizada pela sociedade, e já agora, se uma boa organização empresarial não for valorizada e seguida, os velhos costumes portugueses continuarão a dominar o modo de trabalhar Português.

O exemplo finlandês não é mal escolhido. Agora convem lembrar que os tipos foram o primeiro e único país a pagar tudo o que deviam ao países vencedores da guerra mundial dentro do prazo. Existe uma mentalidade de se ultrapassar a si próprio em tarefas fisicas e mentais.

Perante os exemplos dados como bons em Portugal, o caminho é tudo menos isso. A produtividade sem a valorização da mesma não dura muito.

Manandre said...

A questão da produtividade é bem lançada. É mesmo uma das maiores diferenças entre os países que tenho observado e o nosso, e uma das principais razões para ter escrito o que escrevi. Mas mais do que isso, é a percepção que fora de Portugal somos tão ou mais eficazes do quem nos acolhe que me faz pensar.

Isto abre dois pontos, um o da organização das empresas e da função pública em Portugal, o outro, a valorização que é dada a quem trabalha. O segundo ponto é o focado pelo texto em questão.

Enquanto cá fora quem não trabalha é posto de parte pela sociedade (desde institucionalmente até aos colegas de trabalho), em Portugal é aclamado e seguido. É esta completa troca de valores que refiro como principal causa para o estado do nosso país.

Fugindo a pontos de vista marxistas sobre a economia de mercado, as pessoas são postas de lado por uma maioria que simplesmente não entende porque se trabalha mais do que necessário. Em Portugal o marxismo funciona ao contrário. Cada um faz o menos possível para se proteger a si próprio. É esse o problema português e a minha maior frustação.

Se a produção não for valorizada pela sociedade, e já agora, se uma boa organização empresarial não for valorizada e seguida, os velhos costumes portugueses continuarão a dominar o modo de trabalhar Português.

O exemplo finlandês não é mal escolhido. Agora convem lembrar que os tipos foram o primeiro e único país a pagar tudo o que deviam ao países vencedores da guerra mundial dentro do prazo. Existe uma mentalidade de se ultrapassar a si próprio em tarefas fisicas e mentais.

Perante os exemplos dados como bons em Portugal, o caminho é tudo menos isso. A produtividade sem a valorização da mesma não dura muito.