Paulo Granjo sobre “Um título que diz tudo”
Digo-vos que poucas são as pessoas como quem vos apresento neste post. Raro é aquele que na sua posição se digna a continuar uma conversa com quem a começa sem licença. A propósito de algo publicado aqui, recebi hoje a continuação do interpelado, que me surpreendeu de sobremaneira.
A conversa está em contínuo por e-mail, estas não são para ser tidas à vista de todas. A quem se interesse, que forme as suas próprias opiniões, procurando informação por si só, que isto sirva de rastilho. Mas algo tem que ser dito a este respeito e é o seguinte:
Quando alguém desce ao nível do cidadão anónimo para justificar o seu trabalho é sinal de duas coisas. A primeira que se orgulha do seu trabalho e não o quer ver desvirtuado. A segunda que se preocupa com as pessoas para quem trabalha, isto é, o público em geral, todos nós. A segunda será sempre motivo de respeito por parte deste vosso.
Ensinou-me que o julgamento pela informação dada nos media parte, muitas vezes, de pressupostos errados. Mas a verdade é que são os pressupostos a que todos têm acesso. Se não tivesse falado, não tinha tido resposta, e a minha opinião seria a mesma. Faz todo o sentido então.
O Dr. Paulo Granjo sobre “Um título que diz tudo”:
“Caro bloguista:
Regressado de Moçambique, onde desenvolvo um estudo na fundição de alumínio Mozal, recebi de um colega o link do seu post "Um nome que diz tudo".
Correndo o risco de o desapontar, confesso que me o seu texto me agradou.
Agradou-me porque penso que, em questões de segurança industrial, a polémica é bastante mais bem vinda que a indiferença, independentemente do tom que se utilize e o tom que utilizou é uma aquisição desta coisa dos blogs, uma aquisição demasiado valiosa para que eu esteja disposto a prescindir dela, mesmo à custa de levar umas pontuais ferroadas.
Agradou-me também a "iconoclastia" em relação à suposta autoridade dos títulos académicos, de que aliás partilho.
Isso deu-me, contudo, vontade de esclarecer alguns pontos.
O artigo do Correio da Manhã que refere tem, de facto, dois erros factuais:
Um, pouco relevante, é que não se tratava de um lançamento do livro (publicado em 2004, numa adaptação da tese de 2001), mas de um debate acerca dele.
O outro (que arrastou ameaças de suspensão de publicidade por parte da Galp), tem a ver com a história do enxofre. Não foi, obviamente, "lançado enxofre para a atmosfera", mas queimado na flare gás sulfídrico que, como saberá, é um subproduto indesejável e do qual só nos podemos livrar de forma inócua fazendo recuperação de enxofre.
Apesar das conhecidas consequências ecológicas dessa prática (que ocorreu mais do que uma vez), referi-a ao jornalista como mera ilustração da lógica estritamente economicista da gestão uma unidade "que produz" é de imediato reparada, ou evita-se que pare, mesmo que em deficientes condições de segurança, enquanto uma unidade "de limpeza" pode estar meses parada.
Era uma ilustração marginal para aspectos bastante mais graves e que estão consubstanciados no livro, que terei todo o prazer em oferecer-lhe, caso esteja realmente interessado.
Talvez assim, também, possa ficar mais aberto à presença de antropólogos em fábricas. De facto, há já uns bons anos que os engenheiros e "técnicos de risco" se viram, contra vontade, obrigados a reconhecer que a segurança e o perigo não se limitam a ser uma equação de engenharia, que as relações sociais dentro do espaço laboral são, também elas, factores de potenciação e limitação de perigos.
Independentemente da capacidade que me seja reconhecida (ou não), creio que aquilo que pude clarificar acerca desse assunto apenas se tornou possível pelos meus três anos de observação e convívio com os trabalhadores, dentro da refinaria, e pela total independência de que gozava.
Quanto ao título, "Trabalhamos sobre um barril de pólvora", é a citação de uma frase sistematicamente repetida pelos trabalhadores (até no seu processo de ensinar os novatos a "portar-se bem"), que nela se revêm, como se revêm no conteúdo do livro.
Quanto ao acidentezito de Leça, a sua memória pregou-lhe uma partida, que poderá confirmar, se quiser, relendo os artigos da época.
O que sugeri na altura é que a história "oficial" estava mal contada, que pelas características do fogo a linha onde estava a ser feita a intervenção não estava desactivada, mas sob pressão. O relatório da investigação independente que se seguiu - lembra-se? confirmou-o e veio a expor falhas grosseiras de segurança que eram ainda mais graves.
Quanto ao encerramento dessa refinaria, só era defendido na altura pela Câmara e por parte da Administração da Petrogal, não por mim. Em debate televisivo, aliás, fui acusado de manipulação política pelo actual Presidente da Câmara de Matosinhos, por lembrar que a fábrica já lá estava, muito antes de serem sistematicamente licenciadas as urbanizações que hoje a rodeiam, sem quaisquer preocupações de segurança. Fui também acusado de me armar em engenheiro, por lembrar que Sines não tem unidades de lubrificantes ou de aromáticos e que, sem estes últimos, a esmagadora maioria da gasolina produzida não tem o valor de octanas suficiente para ser vendida.
Feitos estes esclarecimentos, repito que me agradou o seu texto, o seu interesse e a sua verve.
Cordialmente,
Paulo Granjo
Instituto de Ciências Sociais
PS: Quanto a este meu mail, não é uma resposta, mas uma conversa pessoal com alguém que se deu ao trabalho de pensar e escrever acerca do que faço e que com isso me honrou. Autorizo-o, no entanto, a afixá-lo no seu blog, se considerar que isso faz sentido.”
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