Delhi e Agra
De Mumbai apanhei um avião directo Delhi. Em Delhi e seguindo os conselhos do guia fui para a incrível Main Bazar. Uma coisa que temos que saber sobre os guias na Índia, é que a sua linguagem é bem pacífica, e esconde uma realidade bem diferente. A rua tinha uns três, quatro metros de largura, largura essa que estava preenchida de carros, motas, vacas, pessoas e sacanas cujo objectivo é apenas caçar turistas. A minha primeira incurção na Índia foi feita de mochilas às costas, guia na mão, à procura de um hotel, numa das piores zonas da cidade. Um totó na Índia.
Instalado, resolvi bater a estação de comboios e autocarros para arranjar a melhor maneira de correr o Rajastão e Agra. Ao aperceber-me de como as coisas funcionavam, como vos contei antes, resolvi cair nas mãos de uma das agências que existem na Main Bazar. Fui perguntando o preço até ficar satisfeito e com alguma confiança, sentimento que não abundou muito nesses primeiros dias. Durante esses mesmos dias aproveitei para conhecer Delhi. A primeira imagem que tenho é a de um elefante na autoestrada. A segunda, e que exemplificava bem o meu estado de espírito melindroso, eram as águias. Assim como aqui temos os pardais dos telhados, na Índia temos águias, ameaçadoras e imponentes. A sul de Delhi na lixeira que recolhe o lixo das 20 milhões de pessoas que a habitam, a visão que supreenderá qualquer um é a de um turbilhão de milhares de águias girando à volta de um eixo imaginário. Saberia mais tarde, que por debaixo, centenas de pessoas recolhiam o que podiam dessa lixeira, num macabro sistema de reciclagem.
Quando abre um sinal verde em velha Delhi e centenas de veículos, motorizados ou não, começam a ir na sua direcção, o que vemos desafia qualquer probabilidade de um simuladores de trânsito. Não há acidente nenhum. Mas o trânsito é um bordel. Não existem espelhos retrovisores. São substituídos pela buzina do carro que aí vem, ou seja, por cada ultrapassagem, se houver uma buzinadela, ou dois gritos no caso das bicicletas e carroças, uma linha desta folha não chegaria para contabilizar os participantes na sinfonia.
Andei com Harish pela cidade, ou Honey, dizia-me ele, que maior parte das pessoas não se lembravam do seu nome. Há muitas pessoas a pedir nas ruas de Delhi. No entanto, reparava que só as crianças me vinham pedir a mim. Havia ainda velhos magros de turbante na cabeça, cajado na mão, e o mais singular pedinte de todos, travestis que pediam no meio das filas de trânsito. Os dois últimos nunca me pediam nada a mim. Era Harish o alvo. À esquerda do volante, Harish já tinha as pequenas moedas que distribuía pelos vários que lhe batiam à janela. Quando uma criança me vinha pedir olhava-o de soslaio, e ele mandava-me fechar a janela. A culpa destas crianças estarem a pedir é dos pais, que não tomam conta da sua educação. E aos outros dás? É diferente, é um bom karma dar esmola aos homens santos e aos gay people, como lhes chamava.
Não gostei de Delhi. Talvez por ter sido o primeiro sítio onde pus os pés. Gostamos de nos dizer cidadãos do mundo, mas vi coisas em Delhi que não deveriam fazer parte de mundo algum. Dessas partes vou escusar-vos. O sentimento que cada um tem perde-se em palavras nos ouvidos de quem não passou pelo mesmo. Foi com um sorriso nos lábios que largei a capital indiana e parti rumo a Agra.
Agra é casa do majestoso Taj Mahal. O Taj, visto durante o nascer do sol, é como um camaleão, passa do branco pálido e morto a um edifício em chamas com os reflexos laranjas do sol que vai nascendo. A história do Taj é uma de amor. Conta-se que no seu leito de morte, a mulher do imperador Shah Jahan lhe terá dito, faz-me um sepulcro digno do nosso amor. Da Pérsia veio o arquitecto e durante perto de 20 anos o Taj foi sendo construído. Conta-se que, por ter uma outra mulher negra também finada, o imperador resolveu igualar a obra do outro lado do rio, mas desta vez em mármore preto. O filho e futuro herdeiro não gostou que tanto dinheiro fosse gasto nas obras do pai e tomou conta do poder. Aprisionou-o no forte de Agra, onde ainda hoje se tem a cadeira do imperador, onde este terá passado infindáveis dias vendo a construcção do Taj ao longe. A construcção do Taj preto está hoje em dia no seu início, no mesmo sítio onde o imperador planeava, apenas de menores dimensões. Quem realmente sofreu foi o arquitecto, que ficou com ambas as mãos cortadas, para que nunca tornásse a fazer uma obra igual.
Agra é o Taj, o forte, e milhares de lojas à volta. Turístico passa a ser um adjectivo realmente negativo naquela cidade. O Harish fazia o seu ordenado levando-me a lojas, recebia as suas 50 rupias de comissão e mais 5% de tudo o que eu comprasse. Na primeira caí que nem um pato. Queres ir ver uma demonstração de como o Taj foi feito? Claro. E foi assim que ganhei uma hora a ouvir um vendedor de mármores. Mas não foi tão negativo, havia realmente uma demonstração, de 30 segundos, onde podia ver uma sala cheia de crianças a trabalhar em mármore. Foi nessa altura, vendo as crianças a serem exploradas, que decidi nunca mais entrar numa loja indiana. Quando o Harish me perguntou se queria ver um amigo dele, e quando cheguei à porta me apercebi que realmente era uma loja, dei-lhe o sermão da vida. Seguíamos agora em silêncio para Jaipur, a caminho do deserto.
Gateway of India - Monumento de homenagem aos mortos nas guerras.
Zona do ministérios.
Não haverá som como o da cítara. E não há sítio como a Índia para a ouvir ser tocada.
Instalado, resolvi bater a estação de comboios e autocarros para arranjar a melhor maneira de correr o Rajastão e Agra. Ao aperceber-me de como as coisas funcionavam, como vos contei antes, resolvi cair nas mãos de uma das agências que existem na Main Bazar. Fui perguntando o preço até ficar satisfeito e com alguma confiança, sentimento que não abundou muito nesses primeiros dias. Durante esses mesmos dias aproveitei para conhecer Delhi. A primeira imagem que tenho é a de um elefante na autoestrada. A segunda, e que exemplificava bem o meu estado de espírito melindroso, eram as águias. Assim como aqui temos os pardais dos telhados, na Índia temos águias, ameaçadoras e imponentes. A sul de Delhi na lixeira que recolhe o lixo das 20 milhões de pessoas que a habitam, a visão que supreenderá qualquer um é a de um turbilhão de milhares de águias girando à volta de um eixo imaginário. Saberia mais tarde, que por debaixo, centenas de pessoas recolhiam o que podiam dessa lixeira, num macabro sistema de reciclagem.
Quando abre um sinal verde em velha Delhi e centenas de veículos, motorizados ou não, começam a ir na sua direcção, o que vemos desafia qualquer probabilidade de um simuladores de trânsito. Não há acidente nenhum. Mas o trânsito é um bordel. Não existem espelhos retrovisores. São substituídos pela buzina do carro que aí vem, ou seja, por cada ultrapassagem, se houver uma buzinadela, ou dois gritos no caso das bicicletas e carroças, uma linha desta folha não chegaria para contabilizar os participantes na sinfonia.
Andei com Harish pela cidade, ou Honey, dizia-me ele, que maior parte das pessoas não se lembravam do seu nome. Há muitas pessoas a pedir nas ruas de Delhi. No entanto, reparava que só as crianças me vinham pedir a mim. Havia ainda velhos magros de turbante na cabeça, cajado na mão, e o mais singular pedinte de todos, travestis que pediam no meio das filas de trânsito. Os dois últimos nunca me pediam nada a mim. Era Harish o alvo. À esquerda do volante, Harish já tinha as pequenas moedas que distribuía pelos vários que lhe batiam à janela. Quando uma criança me vinha pedir olhava-o de soslaio, e ele mandava-me fechar a janela. A culpa destas crianças estarem a pedir é dos pais, que não tomam conta da sua educação. E aos outros dás? É diferente, é um bom karma dar esmola aos homens santos e aos gay people, como lhes chamava.
Não gostei de Delhi. Talvez por ter sido o primeiro sítio onde pus os pés. Gostamos de nos dizer cidadãos do mundo, mas vi coisas em Delhi que não deveriam fazer parte de mundo algum. Dessas partes vou escusar-vos. O sentimento que cada um tem perde-se em palavras nos ouvidos de quem não passou pelo mesmo. Foi com um sorriso nos lábios que largei a capital indiana e parti rumo a Agra.
Agra é casa do majestoso Taj Mahal. O Taj, visto durante o nascer do sol, é como um camaleão, passa do branco pálido e morto a um edifício em chamas com os reflexos laranjas do sol que vai nascendo. A história do Taj é uma de amor. Conta-se que no seu leito de morte, a mulher do imperador Shah Jahan lhe terá dito, faz-me um sepulcro digno do nosso amor. Da Pérsia veio o arquitecto e durante perto de 20 anos o Taj foi sendo construído. Conta-se que, por ter uma outra mulher negra também finada, o imperador resolveu igualar a obra do outro lado do rio, mas desta vez em mármore preto. O filho e futuro herdeiro não gostou que tanto dinheiro fosse gasto nas obras do pai e tomou conta do poder. Aprisionou-o no forte de Agra, onde ainda hoje se tem a cadeira do imperador, onde este terá passado infindáveis dias vendo a construcção do Taj ao longe. A construcção do Taj preto está hoje em dia no seu início, no mesmo sítio onde o imperador planeava, apenas de menores dimensões. Quem realmente sofreu foi o arquitecto, que ficou com ambas as mãos cortadas, para que nunca tornásse a fazer uma obra igual.
Agra é o Taj, o forte, e milhares de lojas à volta. Turístico passa a ser um adjectivo realmente negativo naquela cidade. O Harish fazia o seu ordenado levando-me a lojas, recebia as suas 50 rupias de comissão e mais 5% de tudo o que eu comprasse. Na primeira caí que nem um pato. Queres ir ver uma demonstração de como o Taj foi feito? Claro. E foi assim que ganhei uma hora a ouvir um vendedor de mármores. Mas não foi tão negativo, havia realmente uma demonstração, de 30 segundos, onde podia ver uma sala cheia de crianças a trabalhar em mármore. Foi nessa altura, vendo as crianças a serem exploradas, que decidi nunca mais entrar numa loja indiana. Quando o Harish me perguntou se queria ver um amigo dele, e quando cheguei à porta me apercebi que realmente era uma loja, dei-lhe o sermão da vida. Seguíamos agora em silêncio para Jaipur, a caminho do deserto.
Gateway of India - Monumento de homenagem aos mortos nas guerras.
Zona do ministérios.
Não haverá som como o da cítara. E não há sítio como a Índia para a ouvir ser tocada.
3 comments:
Acho q n era capaz de resistir a comprar uma citara e sei la' mais o q...
Tens fotos de cortar a respiração
Abraço e bom 2008
Fico à espera da continuação dos relatos.
Beijinhos
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